Justiça para Daiane!

No dia 4 de agosto de 2021 foi encontrado nas proximidades de uma lavoura situada na Localidade de Linha Ferraz, no interior de Redentora, noroeste do Rio Grande do Sul, o corpo da jovem estudante da etnia kaingang, de 14 anos, Daiane Griá Sales, desaparecida desde o dia 1º de agosto, após sair de uma festa em sua comunidade.

Daiane foi assassinada com requintes de crueldade após um estupro, em que não pode resistir ou defender-se, tanto por estar só em local desconhecido, como por encontrar-se em estado de inconsciência em função de ingestão de bebída alcoólica. Após estrangulá-la, seu assassino, Dieison Correia Zandavall, a abandonou no local e seu corpo foi encontrado com mutilações, da cintura para baixo “descarnado”. Segundo ilações, pela ação de animais, algo que a perícia realizada não confirmou.
A descoberta do crime, dentro de uma reserva indígena, produziu enorme choque a familiares, amigas e amigos, a toda a comunidade. Mobilizou os movimentos de mulheres, feministas e da criança e do adolescente, bem como das entidades de defesa dos direitos de populações originárias. A Campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio passou a atuar de imediato para assegurar a qualificação do crime como um feminicído.

O caso teve repercussão nacional e internacional, sendo levado à imprensa, à tribuna da Câmara Federal, motivou manifestações durante a Marcha das Mulheres Indígenas que acompanhava em Brasília votação, pelo STF, do Marco Temporal.

Internacionalmente, o fato foi noticiado pela imprensa, pois se trata da reserva indígena mais populosa do Brasil, local de muitos conflitos com o agronegócio. As entidades de mulheres indígenas acompanham o caso e outros que ocorreram no mesmo período no Mato Grosso do Sul.

Em 18 de agosto, 14 dias após o fato vir a público, por iniciativa dos mandatos parlamentares da deputada Maria do Rosário (PT/RS) e da então deputada Joênia Wapichana (Rede/RO), integrantes das Frentes Parlamentares dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Direitos dos Povos Indígenas, realizou-se uma audiência pública nacional apoiada pelo Observatório dos Direitos das Crianças e Adolescentes, pela Campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio e pelo CIMI/SUL. A audiência teve a presença de mais de 100 pessoas, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade – ANMIGA e da Articulação de Mulheres Indígenas do Sul.

Ao completar um mês semanas da descoberta do crime, em 2 de setembro de 2021, constituiu-se o Comitê Por Todas as Daianes, que tem sido um importante espaço de mobilização da sociedade local, em especial de mulheres e jovens, em articulação dos movimentos sociais. É um espaço de resistência e de trocas de informação.

Ao longo desse período o Comitê, e mais especificamente as integrantes do Levante Feminista estabeleceram contatos com a defesa jurídica constituída para apoiar familiares de Daiane – escritório de Bira Teixeira, e com a Força Tarefa Contra os Feminicídos da Assembleia Legislativa do RS.

O objetivo central desta mobilização foi assegurar a qualificação do homicídio como “Feminicídio” e todos os outros crimes e agravantes, a aplicação do documento Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar os Feminicídios com a Perspectiva de Gênero (ONU Mulheres, SPMPR, 2015), identificar os criminosos e garantir que o processo tenha seu curso legal com a devida justiça.

Em 1º de Outubro, dois meses após o crime, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia ao Juiz da Vara Judicial de Coronel Bicaco (RS), onde corre o caso. De acordo com a Denúncia, há “suficientes indícios de autoria e prova da materialidade apontam o investigado como incurso pela prática das infrações penais tipificadas, em tese, nos artigos 121, § 2º, II, III, IV, V, e VI, e § 2º-A, II, do CP, e 217-A, § 1º, e 211 (ocultação de cadáver), todos combinados com o art. 69, caput, do CP, os dois primeiros (Homicídio Qualificado – Feminicídio, e Estupro de Vulnerável) etiquetados como hediondos nos termos dos artigos 1º, I e VI, da Lei 8.72/90.

O trabalho das integrantes do Levante Feminista Contra o Feminicídio tem sido de apoiar a ajudar no fortalecimento das integrantes do Comitê Por Todas as Daianes, manter o caso na mídia através de artigos, notícias, entrevistas, e seguir a tramitação do caso, monitorando cada passo.
Outro aspecto importante, é a valorização de Daiane como uma jovem, a partir do depoimento de suas amigas: “Daiane pertencia a nós comunidade kaingang, era uma de nós, convivia conosco. Era falante ativa do nosso idioma, falava muito pouco o português. Era meiga, muito calada…Sorriso fácil, apesar das dificuldades da família muito humilde, sofrida.

Há um mês calada, brutalmente silenciada. Luto por Daiane virou luta!!! Somos todas Daiane (Campanha do Comitê Por Todas as Daianes).

No ano de 2022 o processo de Daiane esteve parcialmente paralisado em razão de pedido da defesa do acusado de caracterizá-lo como mentalmente incapaz, tese não aceita pela justiça. Em 2023 ocorreram novas oitivas de testemunhas, no entanto chama a atenção o silêncio que encobre o caso de extrema gravidade, que no dia 1º de agosto de 2023 completa dois anos.

Aula Aberta - Povos Indígenas e Violência de Gênero: O Caso Daiane Griá Sales