Feminicídio no Brasil
FEMINICÍDIO trata-se de um crime de ódio.
No Brasil, a Campanha Quem ama não mata, realizada pelos movimentos feministas no início da década de 1980 para denunciar o assassinato de Angela Diniz, constitui o marco inicial da luta contra este crime. A tese da defesa da honra do homem foi derrotada. Mas apenas em 2023 foi considerada obsoleta pelo Supremo Tribunal Federal.
Em 2015 foi promulgada a Lei 104/2015, a Lei do Feminicídio, que:
- Altera o Código Penal brasileiro passando o feminicídio a ser um qualificador do homicídio;
- Morte de uma mulher em decorrência de violência doméstica e familiar;
- Morte de uma mulher pelo menosprezo ou discriminação à sua condição do sexo feminino, ou seja, à sua condição de mulher.
O Brasil continua sendo o quinto país do mundo que mais mata mulheres vítimas da misoginia combinada com a negligência do Estado. Além disso, é o país que mais mata pessoas trans, especialmente travestis e mulheres trans, negras e pardas na sua maioria. Ambos dados demonstram a magnitude da misoginia e do racismo estrutural no país.
O ano de 2023 foi o ano com maior número de feminicídios de toda a série histórica com 1.467 vidas de mulheres ceifadas pela misoginia
(Anuário de Segurança Pública, FBSP, 2023).
Em média, uma mulher foi assassinada pelo ódio misógino e pelo descaso do poder público a cada 6 horas em 2022. Os números de feminicídios em 2023 apontam a persistência do problema e seu agravamento. A taxa de feminicídios no Brasil é de 1,4/100.000 mulheres.
Os estados do Mato Grosso, Rondônia e Tocantins não contabilizavam dados de feminicídio até 2017.
A partir de 2018 todos os estados passaram a contar essas mortes, mas nem todos os feminicídios são assim considerados pelos órgãos públicos, e os transfeminicídios ainda são uma cifra oficialmente oculta (Monitor da Violência, G1,USP, 2023). A cifra oculta também diz respeito aos lesbocídios.
Perfil das mulheres vítimas de Feminicídio no Brasil (2023)
Faixa Etária
71,1% entre 18 e 44 anos
Local onde a agressão ocorreu
64,3 % dentro de casa
Cor/Raça
63,6% mulheres negras
Autor
84,2% companheiro ou ex-companheiro
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022) indicam que a maioria das vítimas é de mulheres negras, moram na periferia, são jovens em vida reprodutiva, mães e não tinham solicitado proteção do Estado ou denunciado anteriormente violência sofrida.
Uma mulher sofre em média dez anos de violência antes de realizar uma denúncia ou ser assassinada. Esses dados evidenciam a articulação do racismo como um componente de maior letalidade das mulheres negras.
Feminicídio produz orfandade.
Cada feminicídio resulta em média duas crianças e/ou adolescentes órfãos (FBSP,2022).
De acordo com os dados divulgados pelos Institutos de Pesquisa, as mulheres negras e periféricas são as maiores vítimas de violência no país, tanto as mulheres cisgênero (quando as características corporais coincidem com sua orientação sexual) quanto as mulheres trans.
O Mapa da Violência (2015) demonstrou que no período de 2003 a 2013 houve redução de 9,8% de mortes violentas de mulheres brancas enquanto a morte de mulheres negras subiu 54,2%.
Em um período de 11 anos (2009 – 2019) ocorreu aumento de 2% de mortes violentas de mulheres negras, enquanto houve decréscimo de 26,9% nas mortes violentas de mulheres não negras (Atlas da Violência – Ipea, FBSP, IJSN, 2020).
Estes dados evidenciam o peso do racismo na sociedade, impactando as mulheres pretas com exclusão econômica e social, maior dificuldade no acesso aos bens sociais e às políticas públicas, assim como na maior vulnerabilidade à violência de gênero e ao feminicídio.
As Mulheres Negras
As Mulheres Indígenas
A violência e assassinatos de mulheres indígenas têm o tempo histórico de nosso país, 523 anos. A política colonial, escravista, de imposição religiosa, deu os fundamentos para o racismo estrutural no país em relação às indígenas (e também às mulheres negras). Hoje estes povos são afetados pela exploração/destruição dos recursos naturais, como da Amazônia, por meio do avanço das madeireiras ilegais, garimpo, contaminação dos recursos naturais que integram o modo de vida.
A violência praticada pelos invasores, que encontram arranjos ilegais para invadir terras e espaços secularmente preservados, vai da violência sexual, exploração sexual às mais cruéis formas de assassinato/feminicídio. Sobre os feminicídios de mulheres indígenas não há estatísticas para dimensionar o problema.
Situação emblemática ocorreu no Rio Grande do Sul em 31 de julho de 2021 no município de Redentora (RS) quando a jovem kaingang de 14 anos, Daiane Gria Salles, foi barbaramente assassinada com requintes de crueldade dentro de sua própria reserva, que é contornada pelo agronegócio. O caso, inicialmente não considerado feminicídio, encontra-se em segredo de justiça (Veja Caso Daiane).
Lesbocídios
No Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil – 2014 a 2017, as autoras constataram que desde 1983 os números vêm aumentando. No ano de 2017, os casos registrados cresceram 80%, saltando de 30 casos (2016) para 54 casos (2017). O ano de 2014 foi o que mais registrou lesbocídios de mulheres negras (53%). Em 2015 foi registrado um lesbocídio de mulher com deficiência auditiva e em 2016 o lesbocídio de uma mulher indígena. A faixa etária com maior incidência é a dos 20 aos 24 anos. Nesses casos, 70% foram assassinatos cometidos por pessoas conhecidas das vítimas. O observatório de mortes LGBTI+ no Brasil identificou 7 assassinatos de mulheres lésbicas no Brasil em 2023. Um dos casos mais cruéis foi o de Ana Caroline Souza Campêlo, 21 anos, ocorrido em Maranhãozinho (MA) no mês de dezembro.
Transfeminicídio
O Brasil ocupa o 1º lugar no ranking de assassinatos de pessoas trans – travestis e transexuais – no mundo desde 2008. (Atlas da Violência – Ipea, FBSP, IJSN; 2021 e ANTRA, 2020).
“As políticas para mulheres vítimas de violência não estão dialogando com as necessidades das mulheres trans”, afirma a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA, 2022, p.46).
Segundo o Dossiê a respeito dos dados dessas mortes em 2022, dos 131 casos identificados através da mídia e de fontes complementares, 76% foram de travestis e mulheres trans negras. Segundo o estudo, “… entre 2017 e 2022, a média de pessoas trans negras assassinadas é de 79,8%, enquanto para pessoas brancas esse índice cai para 20%, em 2022, como em 2021, tivemos uma travesti indígena assassinada” (ANTRA, 2022, p.43). Em 6 anos, ocorreram 889 casos, enquanto de homens trans somaram 23 casos.
Em 2023 a ANTRA identificou 145 assassinatos de pessoas trans, dessas, 136 eram mulheres trans ou travestis.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que os assassinatos de mulheres trans por discriminação devem ser tratados como feminicídios de pessoas trans, ou “transfeminicídios”.
Mulheres com Deficiência
Segundo Levantamento do Coletivo Feminista Helen Keller a partir de dados do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), o Brasil tem aproximadamente 17 milhões de pessoas com deficiência, sendo a maioria mulheres (10,6 mi). Em 2020, 86% das pessoas com deficiência que sofreram violência sexual eram mulheres, e a maior parte delas (54%) delas eram negras.
No entanto, não há o marcador sobre feminicídio entre mulheres PCD porque esse item em geral não é observado ou registrado pela Polícia e nem nos documentos dos serviços públicos da rede de atendimento como determina a Lei Maria da Penha (Art.12). Este problema vem sendo interpelado pelo movimento de mulheres com deficiência Inclusivass, de base nacional (http://inclusivass.blogspot.com).
Orfandade
Cada feminicídio resulta em média duas crianças e/ou adolescentes órfãos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2021 os feminicídios deixaram 2.300 órfãos e órfãs no Brasil , uma grande parcela abaixo de 18 anos. A Lei 14.717/23 prevê um benefício às crianças e adolescentes órfãs de feminicídio e que estejam em situação de pobreza e extrema pobreza. É preciso implementar com urgência políticas públicas que possam dar suporte assistencial e psicológico a crianças e adolescentes órfãos do feminicídio.