Feminicídio no Brasil
FEMINICÍDIO trata-se de um crime de ódio.

No Brasil, a Campanha Quem ama não mata, realizada pelos movimentos feministas no início da década de 1980 para denunciar o assassinato de Angela Diniz, constitui o marco inicial da luta contra este crime. A tese da defesa da honra do homem foi derrotada. Mas apenas em 2023 foi considerada obsoleta pelo Supremo Tribunal Federal.
Em 2015 foi promulgada a Lei 104/2015, a Lei do Feminicídio, que:
- Altera o Código Penal brasileiro passando o feminicídio a ser um qualificador do homicídio; Morte de uma mulher em decorrência de violência doméstica e familiar; Morte de uma mulher pelo menosprezo ou discriminação à sua condição do sexo feminino, ou seja, à sua condição de mulher.
- Lei 14.994/24: torna feminicídio crime autônomo, aumenta as penas que vão de 20 a 40 anos de prisão. Agravante nas seguintes circuntâncias:
a)Crime cometido durante a gestação ou até três meses após o parto;b) Vítima sendo mãe ou responsável por uma criança;c) Vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos, com deficiência ou doença degenerativa;d)Crime cometido na presença dos pais ou filhos da vítima;e)Crime em descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha;f)Uso de veneno, tortura, emboscada ou arma de uso restrito.
O Brasil continua sendo o quinto país do mundo que mais mata mulheres vítimas da misoginia combinada com a negligência do Estado. Além disso, é o país que mais mata pessoas trans, especialmente travestis e mulheres trans, negras e pardas na sua maioria. Ambos dados demonstram a magnitude da misoginia e do racismo estrutural no país.
O ano de 2024 foi o ano com maior número de feminicídios de toda a série histórica com 1.492 vidas de mulheres ceifadas pela misoginia
(Anuário de Segurança Pública, FBSP, 2023).
Em média, uma mulher foi assassinada pelo ódio misógino e pelo descaso do poder público a cada 5,h 52 min horas em 2024. Os números de feminicídios em 2024 apontam a persistência do problema e seu agravamento. A taxa de feminicídios no Brasil é de 1,4/100.000 mulheres. Além disso, esse número altíssimo demonstra apenas parte do problema, afinal há subnotificação dos casos, pois muitos não são tipificados da forma correta, visto que o feminicídio não ocorre somente na esfera doméstico-familiar. O perfil abaixo é apenas um recorte de parte dos feminicídios que ocorrem no país.
Os estados do Mato Grosso, Rondônia e Tocantins não contabilizavam dados de feminicídio até 2017.
A partir de 2018 todos os estados passaram a contar essas mortes, mas nem todos os feminicídios são assim considerados pelos órgãos públicos, e os transfeminicídios ainda são uma cifra oficialmente oculta (Monitor da Violência, G1,USP, 2023). A cifra oculta também diz respeito aos lesbocídios.
Perfil das mulheres vítimas de Feminicídio no Brasil (2024)
Faixa Etária
70,5% entre 18 e 44 anos
Local onde a agressão ocorreu
64,3 % dentro de casa
Cor/Raça
63,6% mulheres negras
Autor
80% companheiro ou ex-companheiro
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022) indicam que a maioria das vítimas é de mulheres negras, moram na periferia, são jovens em vida reprodutiva, mães e não tinham solicitado proteção do Estado ou denunciado anteriormente violência sofrida.
Uma mulher sofre em média dez anos de violência antes de realizar uma denúncia ou ser assassinada. Esses dados evidenciam a articulação do racismo como um componente de maior letalidade das mulheres negras.
Feminicídio produz orfandade.
Cada feminicídio resulta em média duas crianças e/ou adolescentes órfãos (FBSP,2022).
De acordo com os dados divulgados por institutos de pesquisa, as mulheres negras e periféricas são as principais vítimas de violência no país, tanto entre as mulheres cisgênero quanto as mulheres trans.
O Mapa da Violência (2015) mostrou que, entre 2003 e 2013, houve uma redução de 9,8% nas mortes violentas de mulheres brancas, enquanto as mortes de mulheres negras aumentaram 54,2%.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, em 2024 foram registrados 1.492 feminicídios o maior número desde que o crime foi tipificado, em 2015 e 63,6% dessas vítimas eram mulheres negras.
Esses dados demonstram, mais uma vez, o impacto profundo do racismo estrutural na sociedade brasileira. Mulheres negras enfrentam exclusão econômica e social, dificuldades mais acentuadas no acesso a bens sociais e políticas públicas, e, consequentemente, maior vulnerabilidade à violência de gênero e ao feminicídio.
As Mulheres Negras

As Mulheres Indígenas

A violência e assassinatos de mulheres indígenas têm o tempo histórico de nosso país, 523 anos. A política colonial, escravista, de imposição religiosa, deu os fundamentos para o racismo estrutural no país em relação às indígenas (e também às mulheres negras). Hoje estes povos são afetados pela exploração/destruição dos recursos naturais, como da Amazônia, por meio do avanço das madeireiras ilegais, garimpo, contaminação dos recursos naturais que integram o modo de vida.
A violência praticada pelos invasores, que encontram arranjos ilegais para invadir terras e espaços secularmente preservados, vai da violência sexual, exploração sexual às mais cruéis formas de assassinato/feminicídio.
De acordo com o relatório Relatório Técnico sobre Homicídios contra Mulheres e Adolescentes Indígenas no Brasil (Ministério dos Povos Indígenas; UFPA, 2024) Os casos de feminicídio de mulheres e adolescentes indígenas no Brasil aumen taram alarmantes 500% entre 2003 e 2022. As vítimas são predominantemente jovens, solteiras e com menor escolaridade.
Situação emblemática ocorreu no Rio Grande do Sul em 31 de julho de 2021 no município de Redentora (RS) quando a jovem kaingang de 14 anos, Daiane Gria Salles, foi barbaramente assassinada com requintes de crueldade dentro de sua própria reserva, que é contornada pelo agronegócio. O julgamento do assassino ocorreu em 2025 e foi condenado pelo crime de ETNOFEMINICÍDIO inicialmente com pena de 36 anos. No final do mês de junho/25 o TJRS aumentou a pena do réu para 47 anos, 2 meses e 20 dias de prisão. O julgamento entrou para a história como o primeiro ETNOFEMINICÍDIO reconhecido pelo sistema de justiça brasileiro, três anos e meio após o crime.Veja caso Justiça por Daiane
Lesbocídios
No Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil – 2014 a 2017, as autoras constataram que desde 1983 os números vêm aumentando. No ano de 2017, os casos registrados cresceram 80%, saltando de 30 casos (2016) para 54 casos (2017). O ano de 2014 foi o que mais registrou lesbocídios de mulheres negras (53%). Em 2015 foi registrado um lesbocídio de mulher com deficiência auditiva e em 2016 o lesbocídio de uma mulher indígena. A faixa etária com maior incidência é a dos 20 aos 24 anos. Nesses casos, 70% foram assassinatos cometidos por pessoas conhecidas das vítimas. O observatório de mortes LGBTI+ no Brasil identificou 7 assassinatos de mulheres lésbicas no Brasil em 2023. Um dos casos mais cruéis foi o de Ana Caroline Souza Campêlo, 21 anos, ocorrido em Maranhãozinho (MA) no mês de dezembro.


Transfeminicídio
O Brasil ocupa o 1º lugar no ranking mundial de assassinatos de pessoas trans, travestis e transexuais desde 2008.
“As políticas para mulheres vítimas de violência não estão dialogando com as necessidades das mulheres trans”, alerta a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
Segundo o Dossiê ANTRA, em 2022 foram identificados 131 assassinatos de pessoas trans, sendo 76% travestis e mulheres trans negras. Entre 2017 e 2022, a média de pessoas trans negras assassinadas foi de 79,8%, enquanto para pessoas brancas o índice foi de 20%. Nesse período, também foram registrados casos de assassinatos de pessoas trans indígenas, como o de uma travesti indígena em 2021.
Nos últimos 6 anos, ocorreram 889 assassinatos de pessoas trans, dos quais apenas 23 eram homens trans evidenciando que a imensa maioria das vítimas são mulheres trans e travestis.
Em 2024, a ANTRA identificou 122 assassinatos de pessoas trans, sendo 117 mulheres trans ou travestis.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu que os assassinatos de mulheres trans motivados por discriminação devem ser tipificados como feminicídios de pessoas trans, ou “transfeminicídios”.
Esses números reforçam que o Brasil mantém um padrão persistente e alarmante de violência letal contra pessoas trans, em especial contra mulheres trans negras e periféricas, revelando uma sobreposição de opressões marcadas por transfobia, racismo e desigualdade social.
Mulheres com Deficiência
O Atlas da Violência 2024 revela que mulheres com deficiência continuam sendo o grupo mais vulnerável à violência no país. A taxa geral de notificações nesse público é de 57,2 por 10 mil indivíduos com deficiência, a mais alta entre todos os grupos analisados.
Entre os tipos de deficiência, a maior incidência de violência é registrada entre mulheres com deficiência intelectual (36,9 por 10 mil), seguidas por deficiência física (12,0), deficiência auditiva (3,8) e deficiência visual (1,5).
A violência doméstica é a forma mais recorrente, com 8.302 notificações, representando a maioria absoluta dos casos. Na sequência, aparecem a violência comunitária (3.481 registros), casos mistos (2.359) e a violência institucional (458).
Os dados mostram ainda que, em todos os tipos de violência, mulheres com deficiência sofrem mais que os homens com deficiência. No contexto da violência doméstica, por exemplo, o número de registros para mulheres é 2,6 vezes maior que o registrado entre homens.
No entanto, não há o marcador sobre feminicídio, raça e idade entre mulheres com deficiência porque esse item em geral não é observado ou registrado pela Polícia e nem nos documentos dos serviços públicos da rede de atendimento como determina a Lei Maria da Penha (Art.12). Este problema vem sendo interpelado pelo movimento de mulheres com deficiência Inclusivass, de base nacional (http://inclusivass.blogspot.com).


Orfandade
Cada feminicídio resulta em média duas crianças e/ou adolescentes órfãos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2021 os feminicídios deixaram 2.300 órfãos e órfãs no Brasil , uma grande parcela abaixo de 18 anos. A Lei 14.717/23 prevê um benefício às crianças e adolescentes órfãs de feminicídio e que estejam em situação de pobreza e extrema pobreza. É preciso implementar com urgência políticas públicas que possam dar suporte assistencial e psicológico a crianças e adolescentes órfãos do feminicídio.